serenata foi meu primeiro projeto

Revisitar o passado pode ser traumático para alguns, mas eu só não consigo revisitar porque não me lembro muito dele, mas eu me lembro bem do meu passado recente — que no caso é a partir do comecinho do ensino médio —, e um ponto de virada para mim enquanto autor foi quando eu publiquei, em 2022, o meu primeiro conto, Serenata para cinco.
Eu estava naquela fase de começar a me entender enquanto escritor, queria montar uma imagem para quem fosse me conhecer desde ali e ser autor em tempo integral e profissional — a mais pura ilusão da minha vida, eu só fui receber alguma coisa fruto do meu trabalho enquanto escritor só em 2024.
Quando eu criei Serenata para cinco, eu queria um conto que qualquer um pudesse ler e que aproveitasse, mas que ao mesmo tempo provocasse uma minijornada interna ao protagonista, e talvez a algum leitor. Não foi uma jornada do herói, mas a jornada é muito besta.
Eu queria algo que tocasse o coração do leitor, e eu consegui isso na época. Meu leitor alvo era… a minha família — eu sei, uma coisa ridícula, mas era o que eu tinha à mão.
A principio, eu nem iria desenvolver um romance, ia ser mais uma jornada de “fazer boas ações”, “levar alegria às pessoas”, “ser bom”, e toda essa papagaiada que parece ter saído diretamente da catequese, mas aí eu pensei que isso iria me corroer por dentro — eu não mais me identifico com religião a qual cresci —, e decidi colocar esses elementos dentro de uma história de romance. E aqui começa o meu segundo problema, “como que eu vou abordar romance entre dois homens ou duas mulheres nesta porcaria deste conto?” foi o que eu pensei, e então me veio em mente a ideia mais mirabolante, e que eu acho até hoje completamente disruptiva, que foi não colocar nomes e nem citar o gênero do casal principal.
Então eu comecei a rascunhar um conto em que o protagonista e seu par amoroso não tem nome, nem gênero, tampouco qualquer descrição física muito característica, assim quem lê pode projetar os personagens da maneira que bem entender e como preferir.
“Uau, que disruptivo, que quebra de padrões e parâmetros dentro da literatura mundial, como você é um gênio…”, era o que eu pensei, hoje em dia (enquanto escrevo isto, pelo menos) eu só penso neste conto como mais um primeiro conto meu.
Foi a partir daqui que eu me lancei como escritor, mas quando eu publiquei o conto, logo de imediato eu desisti de tentar escrever para alguém em mente e decidi escrever para mim — o que foi a melhor decisão que eu já tomei até agora na minha carreira, por enquanto.
Serenata para cinco é um conto muito breve, brega, completamente cafona, e que com certeza não é nem um pouco o melhor dos escritos que eu já fiz, eu admito que tenho coisas melhores, mas continua sendo especial para mim, porque foi a partir dele que eu comecei a traçar o meu caminho e entendi que a literatura que eu faço ela segue um padrão estético muito diferenciado do que eu consumia até então: eu escrevo uma história com personagens reais, que falam e pensam como pessoas, são complexos, tem sentimentos e falam como pessoas falariam. Se o narrador é em primeira pessoa, ele não tem porque te contar a história com um vocabulário recheado de expressões idiomáticas, com figuras de linguagem acentuadíssimas e uma prosódica impecável; ninguém fala assim, por que os meus personagens tem de falar de tal modo? Por que os meus narradores deveriam contar uma história assim? Não é falta de bagagem de leitura e escrita, na realidade é muito mais difícil você escrever da forma que eu optei escrever, do que essa escrita literária mais “culta”.
A sua “literariedade”, enquanto autor, está naquilo que você propõe, enquanto texto literário, mas eu também entendo que na sua relação com o mundo, e não apenas com o texto. Por que fazer literatura da maneira a qual estamos todos acostumados? Por que se engessar em modos de escrita, seguir receitas, quando nós podemos revolucionar conhecendo justamente aquilo que consideram “técnica” e subvertendo-a? Serenata foi, de certo modo, um projeto que me mostrou já desde o começo que fazer literatura é se reinventar a cada proposta nova, a cada projeto novo, a cada conto, novela, livro, romance, carta, poema, escrito… trazer algo de novo ao que, por natureza, já se renova a cada momento. Toda a minha relação com a literatura hoje em dia, como algo que não pode e não deve ser rotulado, enquadrado ou pré-determinado, é fruto de um conto tão simplinho, mas que em seu cerne já buscava causar uma revolução, mas não na literatura, e sim no que eu pensava ser literatura.
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